Criança e Adolescente

10/12/2012

TECNOLOGIA - Escola põe chip em uniforme para pai monitorar estudante

 

Fugir da sala de aula sem deixar vestígio está se tornando uma tarefa mais difícil para os alunos das escolas públicas de Samambaia, município no entorno de Brasília.

O Centro de Ensino Médio 414, do governo do Distrito Federal, adotou há duas semanas um chip que, costurado ao uniforme dos estudantes, identifica a entrada e saída dos adolescentes. Assim que ele entra na escola, uma mensagem SMS é enviada ao celular do pai ou responsável - outra mensagem é encaminhada na saída.

Ainda em fase de testes, a experiência tem a participação de 37 alunos de uma turma do primeiro ano do ensino médio. O modelo é o mesmo já adotado em escolas da rede municipal de Vitória da Conquista (BA).

"[Isso] é dizer ao pai: 'A responsabilidade também é sua'", diz Remísia Tavares, diretora da escola, que têm cerca de 1.600 alunos do ensino médio. Ela conta que muitas vezes o pai só toma conhecimento das ausências sucessivas do filho quando busca o boletim. "Não há invasão de privacidade, o pai é que fica tranquilo."

Entre os alunos, a reação não foi tão positiva. "No primeiro momento, ninguém gostou", diz Gabriela Sousa, 15. Ela reconhece, porém, que já houve redução no número de faltosos, especialmente na última aula do dia, quando muitos deixam o colégio antes do horário previsto.

Os pais, de outro lado, comemoram. "Na frente da gente, é uma coisa. Pelas costas, pode ser outra", diz Irismar de Sousa, 41, mãe de Gabriela. Maria Dulce Martins, 56, mãe de outro aluno, também só vê benefícios.

"Lista Eletrônica"

Sócio da empresa que instalou o dispositivo, Charles Vasconcelos diz que o chip só substitui um controle que ocorre de forma mecânica e mais lenta, como as listas de frequência lidas em sala de aula. A empresa estima um custo mensal de R$ 13 a R$ 16 por aluno - além da implantação do chip, o valor prevê pacote de SMS e a instalação e manutenção do aparelho que registra a presença na escola. Por enquanto, o colégio não está desembolsando a quantia. A intenção da empresa é, com a experiência, sugerir o mesmo modelo para toda a rede de ensino público do Distrito Federal, de 653 unidades.

O professor da Universidade de Brasília Antonio Flávio Testa avalia que o tema precisa ser melhor debatido ou mesmo regulamentado. "Como pai, sou totalmente favorável. Como sociólogo, vejo alguns problemas. Tem que ver se não haverá constrangimento [do aluno]", pondera.

Apesar das queixas iniciais, os alunos que participam do projeto piloto dizem que já estão se adaptando ao sistema, mas apontam outro desconforto no experimento: únicos a ter o uniforme diferenciado, são chamados pelos colegas como a turma dos 'chipados'.

Flávia Foreque, de Brasília - Fotos de Andre Borges/Folhapress


Por meio de um chip fixado no uniforme, uma turma de estudantes do primeiro ano
do ensino médio tem suas entradas e saídas monitoradas no
Centro de Ensino Medio (CEM) 414 de Samambaia (DF)


Ainda em fase de testes, a experiência tem a participação de 37 alunos
de uma turma do primeiro ano do ensino médio


Os pais recebem uma mensagem por celular informando o horário
de entrada e saída da escola

[Fonte: Folha de São Paulo - 03/11/2012]

  

 

Na Bahia, frequência de alunos com chip em uniforme chega a 98%

Uma das primeiras a adotar o "uniforme inteligente" para evitar que os alunos fugissem das aulas, a baiana Vitória da Conquista viu a frequência passar de 76% para 98%. Chips foram implantados nas camisetas de 17 mil alunos, em março. Desde então, os pais recebem mensagens SMS diárias informando a chegada e a saída dos filhos da escola. Caso não apareçam em até 45 minutos, uma mensagem é enviada automaticamente - há um sensor na portaria.

A previsão é expandir o projeto para 26 mil alunos em 2013, atingindo todas as 70 escolas da zona urbana. O investimento foi de R$ 1,2 milhão. O secretário de Educação, Coriolano Moraes, diz que a ideia é comparar os dados de frequência com os de evasão e aprovação. "Uma nova cultura está se instalando. Agora temos só falta pontual e, quando ocorre, o pai comunica."

É o que faz Claudine Almeida, 39, mãe do pequeno Fábio, do 1º ano. Ela conta que estranhou a medida no início, mas que hoje se sente mais segura. O coordenador da área de TI da secretaria, Ronaldo Costa Júnior, diz que os alunos não conseguiram burlar o sistema - cinco deles até retiraram o chip, mas acabaram descobertos. "Levaram advertência."

Natália Cancian, de São Paulo

[Fonte: Folha de São Paulo - 03/11/2012]

  

 

Análise: Colégio que põe chip em uniforme deve compreender desinteresse do aluno

Acossadas entre as responsabilidades tradicionais e a dificuldade de acompanhar os apelos das inovações digitais e da vida, as escolas buscam caminhos que prendam seus alunos à sala de aula.

Manter o estudante presente e interessado no conteúdo é um dos maiores desafios. Neste contexto, o uso de um chip apresenta-se como solução imediata e facilmente aplicável. E que pode, a curto prazo, aparentar resultados, como aumento da presença do estudante.

Mas, por outro lado, a opção traz uma metáfora inevitável: a tornozeleira eletrônica para detentos. Equiparar a escola às prisões já foi tema em autores como Erving Goffman e Michel Foucault, indicando mecanismos de controle e punição que substituem o processo educativo que se esperaria da instituição.

O desenvolvimento da autonomia é objetivo fundamental da educação, contrapondo-se à heteronomia. Autonomia implica assumir decisões e responsabilidades, é condição para a ética e cidadania. Já heteronomia é base de submissão e falta de compromisso - se outro comanda, quem age não se tem como responsável, apenas cumpre ordens. Controlar quem está presente pelo chip sinaliza falência da capacidade de diálogo e renúncia do papel educativo, privando adolescentes de seu direito à educação plena e de serem formados para seus deveres, consciente e livremente. A "responsabilidade" passa a ser de um agente externo sequer dotado de humanidade.

O caminho é buscar compreender a fonte do desinteresse dos alunos e o que os afugenta. Encarando suas próprias mazelas, cada escola pode reinventar-se a partir de suas melhores possibilidades.

(Roseli Fischmann é coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Metodista de São Paulo e professora da pós-Graduação da FEUSP)

Roseli Fischmann, especial para a Folha

[Fonte: Folha de São Paulo - 03/11/2012]

 

 

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