Criança e Adolescente
18/05/2015
18 DE MAIO - Nota Técnica da COPEIJ
NOTA TÉCNICA SOBRE O DIA NACIONAL DE ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA SEXUAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES:
18 DE MAIO DE 2015
A Comissão Permanente da Infância e Juventude (COPEIJ), integrante do Grupo Nacional de Direitos Humanos (GNDH), vinculada ao Conselho Nacional de Procuradores-Gerais (CNPG), vem apresentar NOTA TÉCNICA SOBRE O DIA NACIONAL DE ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA SEXUAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES, 18 DE MAIO DE 2015, e manifestar repúdio a qualquer tipo de violência ou exploração sexual contra crianças e adolescentes e conclamar os Poderes do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário) e a sociedade civil, a unirem esforços a fim de proteger as crianças e adolescentes de toda forma de exploração, violência, crueldade e opressão.
Crianças e adolescentes são seres em desenvolvimento, cujo psiquismo e corpo estão em formação, devendo ser protegidos de qualquer forma de negligência, maus tratos, exploração, violência, crueldade e opressão.
Certo é que, mesmo diante da identificação de inúmeros pontos de maior vulnerabilidade infanto-juvenil pela Rede de Proteção, como praias do Nordeste, Porto de Manaus, rodovias federais, grandes capitais (São Paulo, Rio de Janeiro, Natal) etc, a erradicação da prática do crime de estupro de vulnerável [nota 1] ainda está longe de ser alcançada, embora mecanismos coercitivos tenham ingressado recentemente no ordenamento jurídico brasileiro (favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável tornou-se recentemente crime hediondo pela Lei nº 12.978, de 21 de maio de 2014 [nota 2]).
Por sua vez, a COPEIJ repudia veementemente a decisão dos autos nº 0001601-53.2011.8.26.0132, da 1ª Câmara Criminal Extraordinária, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que absolveu autor de estupro de uma adolescente de 13 anos de idade, em razão desta aparentar ter mais idade, dada a experiência sexual demonstrada. Repudia, outrossim, a decisão dos autos nº 370299-58.2010.8.09.0128 (Apelação Criminal) do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, que também absolveu autor de estupro de uma adolescente de 13 anos, relativizando e afastando o citado crime, por entender que o "conjunto probatório mostra, fartamente, que, à época dos fatos, a adolescente lamentavelmente já estava longe de ser ingênua, inconsciente e desinformada a respeito do sexo".
Conforme se extrai das decisões acima, os réus deixaram de ser condenados por entendimento de que não houve violação ao bem jurídico tutelado (a dignidade sexual), tendo em vista que as adolescentes supostamente denotavam ter experiência sexual pronunciada quando da época dos fatos. Contudo, independentemente do fundamento jurídico utilizado, mais uma vez se inocentam adultos que mantêm conjunção carnal ou outro ato libidinoso com adolescentes menores de 14 (quatorze) anos, fundamentando-se na experiência sexual das adolescentes.
É preciso destacar que o fato de a vítima ter conhecimento dos atos relacionados ao sexo, aspecto decisivo para a absolvição dos autores de tão lamentável delito, não pode ser reconhecido como causa de exclusão da tipicidade, absolutamente. O tipo constante do art. 217-A, do Código Penal, não tenciona proteger a "virtude", mas sim a dignidade e integridade psíquica e física de uma pessoa em especial condição de desenvolvimento (que na forma da lei é dever de todos preservar), ainda que já tenha se iniciado nas práticas sexuais, valendo mencionar que sequer mais se fala em "presunção de violência", dada inevitável incidência da norma proibitiva independentemente da conduta da vítima, que não pode de modo algum ser "julgada" antes do vitimizador.
A COPEIJ, no DIA NACIONAL DE ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA SEXUAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES (18 de maio), mais uma vez corrobora entendimento irretocável da decisão R.Esp. nº 1276434/SP, 6ª Turma, da lavra do Ministro Rogério Schietti Cruz, do Superior Tribunal de Justiça, abaixo transcrita:
RECURSO ESPECIAL. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. VÍTIMA MENOR DE QUATORZE ANOS. PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE VIOLÊNCIA. DELITO PERPETRADO PELO PADRASTO DA VÍTIMA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1 - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento de que é absoluta a presunção de violência no estupro e no atentado violento ao pudor (referida na antiga redação do art. 224, "a", do CPB), quando a vítima não for maior de 14 anos de idade.
2 - No caso sob exame, o recorrido praticou, por diversas vezes, atos libidinosos diversos da conjunção carnal com a ofendida, sua própria enteada, com 13 anos de idade à época dos fatos.
3 - É entendimento consolidado desta Corte Superior de Justiça que a aquiescência da adolescente - como ocorreu na espécie - não tem relevância jurídico-penal na tipificação da conduta criminosa (EREsp 762.044/SP, Rel. Min. Nilson Naves, Rel. para o acórdão Ministro Felix Fischer, 3ª Seção, DJe 14/4/2010).
4 - Repudiáveis os fundamentos empregados pela magistrada de primeiro grau e pelo relator do acórdão impugnado para absolver o recorrido, reproduzindo um padrão de comportamento judicial tipicamente patriarcal, amiúde observado em processos por crimes dessa natureza, nos quais o julgamento recai inicialmente sobre a vítima da ação delitiva, para, somente a partir daí, julgar-se o réu.
5 - No caso em exame, a vítima foi etiquetada como uma adolescente "desvencilhada de pré-conceitos e preconceitos", muito segura e informada sobre os assuntos da sexualidade, pois "sabia o que fazia". Julgou-se a vítima, pois, afinal, "não se trata de pessoa ingênua". Desse modo, tangenciou-se a tarefa precípua do juiz de direito criminal que é a de julgar o réu, ou, antes, o fato delituoso a ele atribuído. Em igual direção caminhou o magistrado de segundo grau, ao asserir que o vínculo afetivo que a vítima nutria por seu padrasto é "condição para o afastamento da aludida violência presumida", haja vista que - nas palavras do Desembargador-Relator - "tal afeto deve imperar neste afastamento por ser legítimo e, até, moral."
6 - Nenhuma relevância se conferiu, nas decisões vergastadas, ao fato de que o réu se encontrava, como padrasto da ofendida, na condição de substituto da figura paterna da ofendida e que, portanto - na acurada percepção da desembargadora-revisora, em voto dissidente - "cabia a ele zelar pelo adequado desenvolvimento físico e psicológico da vítima e, não, desvirtuá-la à prática de atos que indiscutivelmente afasta a menina da ingenuidade que seria adequada à sua idade. (...) A menor encontrava-se em sua casa, local inviolável que deveria lhe proporcionar proteção e amparo. Certamente isso não lhe foi oferecido. Ao revés, o apelado, sendo companheiro da mãe da vítima, utilizou-se da comodidade de residir na mesma casa que a menor e, incontestavelmente, aproveitando-se da pouca maturidade que é peculiar aos doze/treze anos, seduziu sua enteada e, provavelmente para evitar ser descoberto com uma possível gravidez indesejada, praticava com aquela que deveria tratar como filha sexo anal e oral, como forma de saciar sua lascívia."
7 - Igualmente frágil a alusão ao "desenvolvimento da sociedade e dos costumes" como fator que permite relativizar a presunção legal de violência de que cuidava o art. 224, "a", do CPB. Basta um rápido exame da história das ideias penais - e, em particular, das opções de política criminal que deram ensejo às sucessivas normatizações do Direito Penal brasileiro - para se constatar que o caminho da "modernidade" é antípoda ao sustentado no voto hostilizado. De um Estado ausente e de um Direito Penal indiferente à proteção da dignidade sexual de crianças e adolescentes, evoluímos, paulatinamente, para uma Política Social e Criminal de redobrada preocupação com o saudável crescimento, físico, mental e afetivo, do componente infanto-juvenil de nossa população, preocupação que passou a ser compartilhada entre o Estado, a sociedade e a família, com reflexos na dogmática penal.
8 - É anacrônico, a seu turno, o discurso que procura associar a modernidade, a evolução moral dos costumes sociais e o acesso à informação como fatores que se contrapõem à natural tendência civilizatória de proteger certas minorias, física, biológica, social ou psiquicamente fragilizadas. A sobrevivência de uma tal doxa - despida, pois, de qualquer lastro científico - acaba por desproteger e expor pessoas ainda imaturas - em menor ou maior grau, não importa - a todo e qualquer tipo de iniciação sexual precoce, nomeadamente quando promovida por quem tem o dever legal e/ou moral de proteger, de orientar, de acalentar, de instruir a criança e o adolescente sob seus cuidados, para que atinjam a idade adulta sem traumas, sem medos, sem desconfianças, sem, enfim, cicatrizes físicas e psíquicas que jamais poderão ser dimensionadas, porque muitas vezes escondidas no silêncio das palavras não ditas e na sombra de pensamentos perturbadores de almas marcadas pela infância roubada.
9 - Recurso especial provido, para condenar o recorrido pelo delito previsto no artigo 214, c/c os artigos 224, "a" (antes da entrada em vigor da Lei n. 12.015/09), e 226, II, na forma do art. 71, caput, todos do Código Penal, e determinar a remessa dos autos ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para fixação da pena.
(REsp 1276434/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 07/08/2014, DJe 26/08/2014)
O Brasil adotou a Doutrina da Proteção Integral à Criança e ao Adolescente, que engloba os princípios da prioridade absoluta, do melhor interesse da criança [nota 3] e o da condição especial de pessoa em desenvolvimento, tendo por fundamento o artigo 227 da Constituição Federal de 1988, e, nos artigos 1º e 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente, em consonância com o principio da dignidade da pessoa humana.
A mesma Constituição Federal enfatizou a necessidade de "severa punição" aos autores de crimes de natureza sexual contra crianças e adolescentes (art. 227, §4º, da citada Carta Magna), ao que deve corresponder a organização, o preparo e uma atuação efetiva do Poder Público no sentido de coibir tais práticas com rapidez e eficácia, evitando o amadorismo nas abordagens e a demora na solução dos procedimentos policiais e judiciais instaurados contra os vitimizadores, o que somente contribui para o aumento da impunidade que, infelizmente, ainda permeia a matéria, inclusive por questões de ordem estrutural - e cultural.
Assim, no DIA NACIONAL DE ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA SEXUAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES (18 de maio) a COPEIJ conclama a sociedade brasileira; os governos (Poderes Executivo e Legislativo, em todas as esferas, assim como o Poder Judiciário) e demais autoridades a proteger toda criança ou adolescente de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, prevenindo violação de direitos e punindo na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais (art. 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente e art. 227, caput, da Constituição Federal), e com especial intensidade os autores de crimes de natureza sexual (art. 227, §4º, da Constituição Federal).
Vitória/ES, 18 de maio de 2015.
Comissão Permanente da Infância e Juventude
(COPEIJ)
Notas do texto:
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos. Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
Art. 218-B do Código Penal: Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone. Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos.
Art. 228. Induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexual, facilitá-la, impedir ou dificultar que alguém a abandone. Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
A Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 e a Convenção Internacional dos Direitos da Criança de 1989 também adotou definitivamente o princípio do melhor interesse da criança.
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